Bem sei que muito estratego tem ganho batalhas à mesa do Café, que um número inacreditável de políticos corta e dá à mesa do Café, que ambiciosos projectos literários, plásticos, cinematográficos se têm arquitectado (e gorado) à mesa do Café, mas…… Eu gosto da Mesa do Café! Salazar não gostava, dizia que o penalizava ver a mocidade queimar o tempo no Café em vez de ir para os Estádios («Ó Mocidade, vai para os Estádios!», não incitava o poeta?) e o seu azar ao café chegava a tal ponto que, quando anulou a semana inglesa de certos sectores da Previdência já, nessa altura (há trinta anos), beneficiavam, declarou que era melhor trabalhar ao sábado de tarde do que ir para os Cafés conspirar. Ele lá sabia…Curiosamente, gente progressista também ataca o lugar-comum que é o Café. Porque se dará desse pacato ponto de encontro só uma imagem negativa? Quando se quer significar que um revolucionário não é revolucionário, diz-se que é «… de Café». Com os poetas, os pintores, os cineastas, a mesma coisa. Eu penso que há nisto uma grande incompreensão e uma absurda exigência. O Café é o Café e não pode ser mais do que o Café. Não é universidade, academiaclube, quartel-general, sede partidária, campo de trabalho, areópago. É o Café, é o que é! Precursor das mesas redondas (não das monologas somadas uns aos outros), inventor das tertúlias em que velhos e novos, consagrados e desconhecidos convivem democraticamente em torno da democrática bica, o Café viu nascer, a par de muitos faznadões (e o que é, em termos de civilização, um faznadão?), gente que se avantajou nas Artes, nas Letras, na Politica, etc. Quem não recorda os Cafés que, por esse mundo, foram xícara para tantas mexidelas nas referidas Artes, nas supracitadas Letras, ma mencionada Politica? Ora, ora, inimigos do Café! Olhem que ele não esteriliza mais do que qualquer outro lugar de paleio e convívio onde o espelhismo, como é de regra, também faz a sua aparição. E reparem que, no Café, o repentismo crítico, com toda a sua verve, com toda a sua falta de respeito, está sempre à espreita de espelhos para estilhaçar…Ao Café, pois, e que saiam duas bicas («com laços, Snr. Pina!») para a mesa do canto, que é a dos sisudos!
P.S. – Ah, é verdade! Entre dois cafés, trabalhem…
Alexandre O’Neill,
roubado daqui
And you can't smoke in any of this coffee places...I'm pretty sure coffee was invented by people who were smoking anyways. And they just wanted to invent something so they can stay up late and SMOKE FUCKIN' MORE! That's my theory. Just ask me or Columbo, he'll back me up on this one.» Denis Leary
Friday, May 30, 2008
Thursday, May 29, 2008
Monday, May 26, 2008
Tim, tim, tim, tim
Começou a mexer o café com leite com a colherzinha. O líquido quase transbordava da chávena empurrado pelo movimento do utensílio de alumínio (o recipiente era vulgar, o sítio era ordinário e a colher estava arredondada pelo uso). Ouvia-se o barulho do metal contra o vidro. Tim, tim, tim, tim. E o café com leite girava, girava com uma cova no meio. Um maelstrom. E eu encontrava-me sentado mesmo à frente. O café estava à pinha. O homem continuava a mexer, a mexer, imóvel, e sorria ao olhar-me. Senti uma coisa subir por mim acima. Fitei-o de tal maneira que se viu na obrigação de se explicar:
- O açúcar ainda não está derretido.
Para mo provar, bateu com a colher várias vezes no fundo do copo. Recomeçou a mexer metodicamente a beberagem, com uma energia redobrada. Voltas e mais voltas, sem parar, eternamente. Voltas e mais voltas e mais voltas. E continuava a olhar para mim, sorrindo. Então puxei da pistola e disparei.
Max Aub
- O açúcar ainda não está derretido.
Para mo provar, bateu com a colher várias vezes no fundo do copo. Recomeçou a mexer metodicamente a beberagem, com uma energia redobrada. Voltas e mais voltas, sem parar, eternamente. Voltas e mais voltas e mais voltas. E continuava a olhar para mim, sorrindo. Então puxei da pistola e disparei.
Max Aub
Thursday, May 22, 2008
Autobiografia
A VIDA que levo é muito sossegada
Passo os dias no café do Mike
admirando os campeões
de bilhar do grupo Dante
e os viciados de matraquilhos
A vida que levo é muito sossegada
na zona leste de Broadway
Sou americano
fui um rapaz americano
Lia o Magazine dos Rapazes Americanos
e tornei-me escuteiro
nos subúrbios
Julgava-me o Tom Sawver
pescando caranguejos no rio Bronx
pensando no Mississipi
Tive uma luva de baseball
e uma bicicleta American Flyer
Distribuí o Woman’s Home Companion
às cinco da tarde
ou o Herald Tribune
às cinco da manhã
Ainda ouço o jornal cair
em terraços esquecidos
Tive uma infância infeliz
Vi Lindberg aterrar
Olhei para a minha terra
mas não vi anjo nenhum
Fui apanhado a roubar lápis
num bazar barato
no mesmo mês fui promovido
a Escuteiro Chefe
Derrubei árvores para o Grémio da Agricultura
e sentei-me nelas
Desembarquei em Norrnandia
num barco a remos que virou
Vi exércitos educados
na praia de Dover
Vi pilotos egípcios em núvens purpúreas
negociantes enrolando seus toldes
ao meio dia
salada de batatas e dente de leão
em piqueniques anarquistas
Estou a ler «Lorna Doone»
e uma biografia de John Most
o terror dos industrialistas
sempre com uma bomba na gaveta
da escrivaninha
Vi os lixeiros desfilarem
no dia comemorativo de Colombo
atrás das fanfarras ruidosas
Há tempos que não vou visitar os Claustros
ou as Tuileries
mas continuo a pensar lá ir
Vi os lixeiros desfilarem
debaixo da neve
Comi cachorros quentes nas feiras
Ouvi o Discurso de Gettysburg
e o Discurso do Ginsberg
Gosto disto por aqui
e não voltarei para onde vim
Também eu viajei em vagões de carga
vagões de carga vagões de carga
Viajei no meio de desconhecidos
Estive em Ásia
Estive com Noé na Arca
estava na India
quando Roma foi construída
Estive na Manjedoura com o burro
Vi o distribuidor eterno
Ouvi um trombone pregar
Ouvi Debussy
filtrado por um lençol
Dormi numa centena de Ilhas
onde os livros eram árvores
Ouvi os pássaros
chilreando como sinos
Usei calças de flanela cinzenta
e caminhei pela praia do inferno
Vivi numa centena de cidades
onde as árvores eram livros
Que metros que táxis que cafés
Que mulheres de seios cegos
membros perdidos entre arranha-céus
Vi as estátuas dos heróis
nas encruzilhadas
Danton chorando na entrada do metro
Colombo em Barcelona
apontando p’ro oeste nas Ramblas
rumo ao American Express
Lincoln no seu trono de rocha
e um enorme Rosto de Pedra
no Dacota do Norte
Bem sei que o Colombo
não inventou a América
Ouvi uma centena de Ezra Pounds domesticados
Deviam soltá-los todos
Já passou muito tempo desde que fui pastor
A vida que levo é muito sossegada
Passo os dias no café do Mike
lendo os anúncios classificados
Li duma ponta a outra
as Selecções do Reader’s Digest
e notei a perfeita identificação
entre os Estados Unidos e a Terra Prometida
Já que em todas as moedas está marcado
da Montanha Branca
ao sul de São Francisco
Vi a Mulher que Ri no Luna Parque
ao pé da Barraca das Gargalhadas
sob uma tempestade de chuva
sempre a rir-se
Ouvi os ruídos da noite
das grandes pândegas
Tenho vagueado tão só
como as multidões solitárias
A vida que levo é muito sossegada
Passo os dias à porta do café do Mike
a ver o mundo passar
em curiosos sapatos
comecei uma vez
uma volta ao mundo a pé
mas desisti em Brooklyn
Essa ponte era demais para mim
Já tentei o silêncio
o exílio e a astúcia
Voei demasiado perto do sol
e as minhas asas de cera derreteram-se
Ando à procura do meu Velho
que nunca conheci
Ando à procura do Lider Perdido
com quem voei
Os jovens deviam ser exploradores
O lar é o ponto da partida
Mas minha mãe nunca me disse
que podia haver cenas destas
Útero-cansado
descanso
Tento viajado
Visitei a cidade dos fantasmas
Conheço as massas amaçadas
Ouvi chorar o Kid Ory
«Confiamos em Deus»
mas nas notas de dólar não há nada inscrito
porque elas próprias já são Deus
Leio diariamente os anúncios «precisa-se»
a procura duma pedra duma folha
duma porta esquecida
Ouço a América cantar
nas Páginas Amarelas
Quem diria que a alma passa crises
Leio todos os dias os jornais
e noto a ausência da humanidade
nessa triste pletora da imprensa
Vejo que esvaziaram o Lago de Walden
para pôr lá um parque de diversões
Vejo que estão a obrigar o Melville
a comer sua própria,baleia
Vejo que vem aí uma nova guerra
mas não serei eu quem vai lutar nela
Li os grafitis do destino
nas paredes dos urinois
Fui eu quem ajudou o Kilroy a escrevê-los
Marchei pela Quinta Avenida acima
tocando clarim num severo pelotão
mas voltei rápido para o Casbah
à procura de meu cão
Noto alguma semelhança entre os cães e eu
Os cães são os verdadeiros observadores
correndo os quatro cantos do mundo
na terra de Molloy
Passeei-me por vielas
estreitas demais para Chryslers
Vi uma centena de carroças de leite sem cavalo
num terreno baldio nas Astúrias
Ben Shahn nunca as pintou
mas elas lá estão retorcidas nas Astúrias
Tenho ouvido o grito do sucateiro
percorri super-auto-estradas
e acreditei na promessa dos cartazes
Atravessei as planícies de Jersey
vi as suas cidades
e rebolei-me nas terras ermas de Westchester
com bandos errantes de nativos
em vagões de carga
Tenho-os visto
Sou o homem
Estive lá
Sofri um pouco
Sou americano
Tenho passaporte
Mas não sofri em público
E sou jovem demais para morrer
Sou um selfmademan
Tenho planos para o futuro
Estou na bicha para um bom emprego
Talvez me mude para Detroit
Por enquanto vendo gravatas
Sou um Zé Ninguém
Sou um livro aberto para o meu patrão
Sou um mistério impenetrável
para os meus amigos íntimos
A vida que levo é muito sossegada
Passo os dias no café do Mike
contemplando o umbigo
Sou uma parte da longa loucura do corpo
Tenho vagueado por bosques nocturnos
Tenho-me apoiado em portais bêbados.
Tenho escrito histórias frenéticas
sem pontuação
Sou o homem
Estive lá
Sofri um pouco
Sentei-me em cadeiras de cansaço
Sou uma lágrima do sol
Sou a colina onde os poeta trepam
Inventei o alfabeto
depois de observar o vôo das garças
que faziam letras com as pernas
Sou um lago na planície
Uma palavra numa árvore
Sou uma colina de poesia
Sou uma razia no inarticulado
sonhei que os dentes todos me caiam
mas a minha língua sobrevivia
para dizer como foi
Pois sou um silêncio poético
Sou um banco de canções
Sou um piano mecânico
num casino abandonado
numa esplanada à beira-mar
num nevoeiro espesso
mas sempre a tocar
Vejo uma semelhança
entre a Mulher que Ri e eu
Ouvi o som do verão na chuva
Vi raparigas em passadeiras de tábua
com estranhas sensações
compreendo suas hesitações
Sou um colhedor de fruta
Vi como os beijos causam euforia
Corri o risco de ficar encantado
Vi a Virgem
numa macieira em Chartres
e Santa Joana ardendo em Bella Union
Vi girafas em selva-ginásios
seus pescoços como o amor
entrelaçados nas circunstâncias de ferro
deste mundo
Vi Vénus Afrodite
em seu corredor ventoso
Ouvi uma sereia cantar
na Quinta Avenida
Vi a deusa branca bailando
na Rue des Beau’ Arts
no dia I4 de Julho
e a Bela Dama sem Mercé
com o dedo no nariz em Chumbley’s
Ela não falava inglês
Tinha cabelos amarelos e voz rouca
e nenhum pássaro cantava
A vida que levo é muito sossegada
passo os dias no café do Mike
observando os jogadores de bilhar de bolsa
nesse cenário ministroni
devorando macarroni
e li algures
o Significado da Existência
mas esqueci exactamente onde
Sou o homem
E estarei lá
E talvez faça despertar os lábios
da gente adormecida
E talvez transforme em folhas de relva
meus cadernos de apontamentos
E talvez escreva meu anónimo epitáfio
pedindo aos cavaleiros
que não se detenham
Lawrence Ferlinghetti
Robert Frank
Passo os dias no café do Mike
admirando os campeões
de bilhar do grupo Dante
e os viciados de matraquilhos
A vida que levo é muito sossegada
na zona leste de Broadway
Sou americano
fui um rapaz americano
Lia o Magazine dos Rapazes Americanos
e tornei-me escuteiro
nos subúrbios
Julgava-me o Tom Sawver
pescando caranguejos no rio Bronx
pensando no Mississipi
Tive uma luva de baseball
e uma bicicleta American Flyer
Distribuí o Woman’s Home Companion
às cinco da tarde
ou o Herald Tribune
às cinco da manhã
Ainda ouço o jornal cair
em terraços esquecidos
Tive uma infância infeliz
Vi Lindberg aterrar
Olhei para a minha terra
mas não vi anjo nenhum
Fui apanhado a roubar lápis
num bazar barato
no mesmo mês fui promovido
a Escuteiro Chefe
Derrubei árvores para o Grémio da Agricultura
e sentei-me nelas
Desembarquei em Norrnandia
num barco a remos que virou
Vi exércitos educados
na praia de Dover
Vi pilotos egípcios em núvens purpúreas
negociantes enrolando seus toldes
ao meio dia
salada de batatas e dente de leão
em piqueniques anarquistas
Estou a ler «Lorna Doone»
e uma biografia de John Most
o terror dos industrialistas
sempre com uma bomba na gaveta
da escrivaninha
Vi os lixeiros desfilarem
no dia comemorativo de Colombo
atrás das fanfarras ruidosas
Há tempos que não vou visitar os Claustros
ou as Tuileries
mas continuo a pensar lá ir
Vi os lixeiros desfilarem
debaixo da neve
Comi cachorros quentes nas feiras
Ouvi o Discurso de Gettysburg
e o Discurso do Ginsberg
Gosto disto por aqui
e não voltarei para onde vim
Também eu viajei em vagões de carga
vagões de carga vagões de carga
Viajei no meio de desconhecidos
Estive em Ásia
Estive com Noé na Arca
estava na India
quando Roma foi construída
Estive na Manjedoura com o burro
Vi o distribuidor eterno
Ouvi um trombone pregar
Ouvi Debussy
filtrado por um lençol
Dormi numa centena de Ilhas
onde os livros eram árvores
Ouvi os pássaros
chilreando como sinos
Usei calças de flanela cinzenta
e caminhei pela praia do inferno
Vivi numa centena de cidades
onde as árvores eram livros
Que metros que táxis que cafés
Que mulheres de seios cegos
membros perdidos entre arranha-céus
Vi as estátuas dos heróis
nas encruzilhadas
Danton chorando na entrada do metro
Colombo em Barcelona
apontando p’ro oeste nas Ramblas
rumo ao American Express
Lincoln no seu trono de rocha
e um enorme Rosto de Pedra
no Dacota do Norte
Bem sei que o Colombo
não inventou a América
Ouvi uma centena de Ezra Pounds domesticados
Deviam soltá-los todos
Já passou muito tempo desde que fui pastor
A vida que levo é muito sossegada
Passo os dias no café do Mike
lendo os anúncios classificados
Li duma ponta a outra
as Selecções do Reader’s Digest
e notei a perfeita identificação
entre os Estados Unidos e a Terra Prometida
Já que em todas as moedas está marcado
da Montanha Branca
ao sul de São Francisco
Vi a Mulher que Ri no Luna Parque
ao pé da Barraca das Gargalhadas
sob uma tempestade de chuva
sempre a rir-se
Ouvi os ruídos da noite
das grandes pândegas
Tenho vagueado tão só
como as multidões solitárias
A vida que levo é muito sossegada
Passo os dias à porta do café do Mike
a ver o mundo passar
em curiosos sapatos
comecei uma vez
uma volta ao mundo a pé
mas desisti em Brooklyn
Essa ponte era demais para mim
Já tentei o silêncio
o exílio e a astúcia
Voei demasiado perto do sol
e as minhas asas de cera derreteram-se
Ando à procura do meu Velho
que nunca conheci
Ando à procura do Lider Perdido
com quem voei
Os jovens deviam ser exploradores
O lar é o ponto da partida
Mas minha mãe nunca me disse
que podia haver cenas destas
Útero-cansado
descanso
Tento viajado
Visitei a cidade dos fantasmas
Conheço as massas amaçadas
Ouvi chorar o Kid Ory
«Confiamos em Deus»
mas nas notas de dólar não há nada inscrito
porque elas próprias já são Deus
Leio diariamente os anúncios «precisa-se»
a procura duma pedra duma folha
duma porta esquecida
Ouço a América cantar
nas Páginas Amarelas
Quem diria que a alma passa crises
Leio todos os dias os jornais
e noto a ausência da humanidade
nessa triste pletora da imprensa
Vejo que esvaziaram o Lago de Walden
para pôr lá um parque de diversões
Vejo que estão a obrigar o Melville
a comer sua própria,baleia
Vejo que vem aí uma nova guerra
mas não serei eu quem vai lutar nela
Li os grafitis do destino
nas paredes dos urinois
Fui eu quem ajudou o Kilroy a escrevê-los
Marchei pela Quinta Avenida acima
tocando clarim num severo pelotão
mas voltei rápido para o Casbah
à procura de meu cão
Noto alguma semelhança entre os cães e eu
Os cães são os verdadeiros observadores
correndo os quatro cantos do mundo
na terra de Molloy
Passeei-me por vielas
estreitas demais para Chryslers
Vi uma centena de carroças de leite sem cavalo
num terreno baldio nas Astúrias
Ben Shahn nunca as pintou
mas elas lá estão retorcidas nas Astúrias
Tenho ouvido o grito do sucateiro
percorri super-auto-estradas
e acreditei na promessa dos cartazes
Atravessei as planícies de Jersey
vi as suas cidades
e rebolei-me nas terras ermas de Westchester
com bandos errantes de nativos
em vagões de carga
Tenho-os visto
Sou o homem
Estive lá
Sofri um pouco
Sou americano
Tenho passaporte
Mas não sofri em público
E sou jovem demais para morrer
Sou um selfmademan
Tenho planos para o futuro
Estou na bicha para um bom emprego
Talvez me mude para Detroit
Por enquanto vendo gravatas
Sou um Zé Ninguém
Sou um livro aberto para o meu patrão
Sou um mistério impenetrável
para os meus amigos íntimos
A vida que levo é muito sossegada
Passo os dias no café do Mike
contemplando o umbigo
Sou uma parte da longa loucura do corpo
Tenho vagueado por bosques nocturnos
Tenho-me apoiado em portais bêbados.
Tenho escrito histórias frenéticas
sem pontuação
Sou o homem
Estive lá
Sofri um pouco
Sentei-me em cadeiras de cansaço
Sou uma lágrima do sol
Sou a colina onde os poeta trepam
Inventei o alfabeto
depois de observar o vôo das garças
que faziam letras com as pernas
Sou um lago na planície
Uma palavra numa árvore
Sou uma colina de poesia
Sou uma razia no inarticulado
sonhei que os dentes todos me caiam
mas a minha língua sobrevivia
para dizer como foi
Pois sou um silêncio poético
Sou um banco de canções
Sou um piano mecânico
num casino abandonado
numa esplanada à beira-mar
num nevoeiro espesso
mas sempre a tocar
Vejo uma semelhança
entre a Mulher que Ri e eu
Ouvi o som do verão na chuva
Vi raparigas em passadeiras de tábua
com estranhas sensações
compreendo suas hesitações
Sou um colhedor de fruta
Vi como os beijos causam euforia
Corri o risco de ficar encantado
Vi a Virgem
numa macieira em Chartres
e Santa Joana ardendo em Bella Union
Vi girafas em selva-ginásios
seus pescoços como o amor
entrelaçados nas circunstâncias de ferro
deste mundo
Vi Vénus Afrodite
em seu corredor ventoso
Ouvi uma sereia cantar
na Quinta Avenida
Vi a deusa branca bailando
na Rue des Beau’ Arts
no dia I4 de Julho
e a Bela Dama sem Mercé
com o dedo no nariz em Chumbley’s
Ela não falava inglês
Tinha cabelos amarelos e voz rouca
e nenhum pássaro cantava
A vida que levo é muito sossegada
passo os dias no café do Mike
observando os jogadores de bilhar de bolsa
nesse cenário ministroni
devorando macarroni
e li algures
o Significado da Existência
mas esqueci exactamente onde
Sou o homem
E estarei lá
E talvez faça despertar os lábios
da gente adormecida
E talvez transforme em folhas de relva
meus cadernos de apontamentos
E talvez escreva meu anónimo epitáfio
pedindo aos cavaleiros
que não se detenham
Lawrence Ferlinghetti
Robert Frank
Bar Vesúvio
Bar era bom negócio em Ilhéus, melhor só mesmo cabaré. Terra de muito movimento, de gente chegando atraída pela fama de riqueza, multidão de caixeiros-viajantes enchendo as ruas, muita gente de passagem, quantidade de negócios resolvidos nas mesas dos bares(...) O bar Vesúvio era o mais antigo da cidade. Ocupava o andar térreo de um sobrado de esquina numa pequena e linda praça em frente ao mar, onde se erguia a igreja de São Sebastião.
Jorge Amado
Jorge Amado
Tuesday, May 13, 2008
na esplanada de um café
Creio que nessa altura eu voltava as costas ao mundo, a todo o mundo. Sem leitores, sem ideias concretas sobre o amor nem a morte, e para cúmulo escritor pedante que escondia a fragilidade de principiante, eu era um horror ambulante. Identificava a juventude com o desespero e este com a cor preta. Vestia-me de preto dos pés à cabeça. Comprei dois pares de óculos, dois pares idênticos de que não tinha necessidade nenhuma, comprei-os para parecer mais intelectual. E pus-me a fumar cachimbo, porque julgava (talvez influenciado por fotografias de Jean-Paul Sartre no Café de Flore) que era mais interessante do que dar fumaças em simples cigarros. Mas só fumava cachimbo em público, pois não podia gastar tanto dinheiro em tabaco aromatizado. Às vezes, na esplanada de um café qualquer, enquanto fingia ler um poeta maldito francês, armava-me em intelectual e punha o cachimbo no cinzeiro (às vezes o cachimbo nem sequer estava aceso) e tirava os óculos com que aparentemente lia e tirava os outros, que eram idênticos aos primeiros e com os quais também não conseguia ler nada
Enrique Vila-Matas
Enrique Vila-Matas
Sunday, May 11, 2008
O ambiente de um verdadeiro café
Num café decente, mesmo o pior e mais ganancioso dos ricos se coíbe de insultar alguém e os pobres agradecem e comportam-se com a maior das modéstias. O ambiente de um verdadeiro café implica estas características: camaradagem, satisfação do estômago, boa disposição e melhor comportamento. Ninguém falou disto, nessa noite, na loja de Miss Amélia, mas todos o sabiam, embora, é claro, nunca, até àquele dia, tivesse existido um café na terra.
Carson McCullers
Carson McCullers
Friday, May 09, 2008
Quando me sentei a esta mesa dispus o caderno onde escrevo, os óculos e a carteira, perfeitamente alinhados, ordenadamente ajustados ao espaço que o tampo da mesa coloca ao meu dispor. Corrigi a mão do empregado quando aportou o cinzeiro, o copo que enchi de água, o pacote de açúcar vermelho, tudo dispondo numa ordem nada menos que precisa, arranjo estético de formas que em nada feria o olhar.
Uma hora volvida, agora que olho a mesa, reparo que tudo ocupa lugar diferente do inicial. As mãos foram usando de gestos sobre a mesa, movendo-se imperceptíveis, a carteira mais distante depois de pagar a despesa, a chávena de café vazia afastada do caderno, o cinzeiro ainda mais perto do mínimo esforço dos dedos, a água junto à mão esquerda, o mesmo é dizer rente aos lábios, o livro fechado e marcado na leitura interrompida.
Uma hora preenchida, agora que olho a mesa, vejo-a desarrumada aos meus olhos mas arrumadíssima ao meu conforto.
João Luís Barreto Guimarães
Uma hora volvida, agora que olho a mesa, reparo que tudo ocupa lugar diferente do inicial. As mãos foram usando de gestos sobre a mesa, movendo-se imperceptíveis, a carteira mais distante depois de pagar a despesa, a chávena de café vazia afastada do caderno, o cinzeiro ainda mais perto do mínimo esforço dos dedos, a água junto à mão esquerda, o mesmo é dizer rente aos lábios, o livro fechado e marcado na leitura interrompida.
Uma hora preenchida, agora que olho a mesa, vejo-a desarrumada aos meus olhos mas arrumadíssima ao meu conforto.
João Luís Barreto Guimarães
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