And you can't smoke in any of this coffee places...I'm pretty sure coffee was invented by people who were smoking anyways. And they just wanted to invent something so they can stay up late and SMOKE FUCKIN' MORE! That's my theory. Just ask me or Columbo, he'll back me up on this one.» Denis Leary

Tuesday, September 02, 2008

Uma bica bem cheia

O homem fixara o olhar nos lavabos do café. E conseguia ver.
Na entrada da porta masculina, nítida, e a preto e branco, uma cabeça coberta de chapéu à d’Artagnan, com bigode e pêra. Não vivera ele em tempo algum, o século desses homens de farta cabeleira, chapeirão de foles e pluma alçada, bigode descaído sobre o pelame em bico que descia do queixo. Mas o homem sabia: D’Artagnan, o grande sedutor.
Na porta ao lado, o recato das damas era sinalizado num perfil de caracóis enfunados, os lábios gordos e de perversas formas, feitos para ciciar à beira da carne e da cama. Exemplar de cabeça que deixa marca no lençol, carne em ombros de cobre claro e deixa marca nos dedos de quem os apalpa: Antonietas.
Ele olhava as portas dos lavabos e remexia, sem baixar a vista, os dois pacotes de açúcar na chaveninha branca com o preto do café a transbordar para o pires. Uma bica bem cheia, foi sempre o seu pedido.
Seriam, e ele que tão pouco tempo demorou na vida a contar o tempo, umas duas e pouco de uma tarde de outono.
Três domésticas, eram o seu pano de fundo.
Crocheteavam numa dobadoira da língua, e olhavam-no num tiro incerto de mistério que lhe chegava ao peito como uma medalha póstuma.
Açúcar, muito açúcar. Dois refinados pacotes para os amargos de boca dos seus noventa anos.


Armando Silva Carvalho

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